domingo, 31 de maio de 2009

Cama, Sarjeta

Cheguei ao fundo do poço: ao fundo do álcool, ao fundo dos cigarros baratos, ao fundo da cocaína, ao fundo da sarjeta- que eu chamo formalmente de cama. Minha cama, minha sarjeta. Bebo no gargalo e por falta de um meio fio a céu aberto, me jogo no colchão de molas de novecentos reais e finjo que é um pedaço de concreto pintado de branco. Perco a linha, literalmente- o álcool acaba com a minha memória recente. Acendo um cigarro Vogue azul e descubro que o sabor menta é uma porcaria, mas continuo a fumar. Levanto da minha sarjeta, chuto algumas garrafas pra longe, procuro o Abbey Road em vinil que eu te roubei em todas as prateleiras, estantes, gavetas, armários. Acho graça quando eu o encontro debaixo das minhas calças jeans e o coloco para tocar no último volume e canto bem alto de propósito para o vizinho do lado tocar minha campanhia e dizer: "Vou chamar a polícia!" e então eu vou dizer: "Chame, chame a polícia, chame o teu advogado, chame o presidente, chame o Papa, chame até Jesus, quero mostrar para ele que posso contrariá-lo: transformo sangue em vinho. É fácil, eu te ensino: encontre uma pessoa, se apaixone loucamente, jantem juntos numa noite fria de junho, bebam umas três garrafas de Pinot Noir, fiquem bêbados, transem, namorem, se apaixone mais loucamente ainda e pronto! De repente você não tem mais sangue, só Pinot Noir correndo nas tuas veias. Ou Pinot Gris. Ou Pinot Meunier... pode escolher."
Mas a campainha não é tocada. A música pára. A agulha está em pé. Eu, meio tonta meio eufórica, coloco o disco para tocar outra vez, acendo outro cigarro mentolado, bebo o vinho no gargalo e me jogo, outra vez, na sarjeta: tudo de novo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Te desejo quê.

Só te desejo que continue em pé e mostre essa sensibilidade que sempre escondeu, que consiga aquilo me tanto me pediu, que não destrua o que construímos juntos, mas modifique- para melhor, pra você, pra mim. Que encontre novos caminhos e que dessa vez as estradas estejam cheias de boas novidades, que te levem para algum lugar que te faça bem e que o clima sempre esteja ao teu favor, pode até chover de vez em quando mas em poucas horas o sol volte a brilhar. Que quando desdobrar o mapa olhe para o sul e lembre de mim. E dê um sorriso quando lembrar das manhãs de sábado, tardes de terça-feira, noites de domingo. Que encontre alguém que acorde tarde como você e que tomem um semi café da manhã assim como nós tomávamos e depois voltem pra cama reclamando que não há nada decente na televisão assim como nós reclamávamos. Que desista um pouco da loucura, que durma mais cedo, que jogue as garrafas fora, que ligue para as pessoas que ama somente para dizer um olá. Que faça projetos, que coloque tudo no papel e depois na prática, que tenha mais certeza da vida mas que não esqueça que as incertezas também nos ensinam. Que aprenda a demonstrar tudo o que há dentro, porque há um dentro e dentro desse dentro há uma mistura de sentimentos, coisas. Que ame demais e sofra de menos, que lembre do que você tem que fazer e nunca esqueça do que você já fez. Que um dia nos encontremos no supermercado, na sessão de doces, e que você sorrie pra mim e eu pra você, que nos cumprimentemos e nos abracemos. Que eu te veja são e completo, que me veja feliz e saudável, que nos lembremos só das horas no telefone, das risadas altas, das jantas. E sorriremos, sim, sorriremos e diremos 'tchau' e iremos para caminhos diferentes que nunca mais se cruzarão- sabe, seremos felizes, assim, longe.

(texto escrito em 2008. Nem lembrava dele. Da época em que eu era bondosa o suficiente para desejar alegrias a quem ajudou a destruir parte da minha vida. Ah, doce ingenuidade.)