terça-feira, 1 de setembro de 2009

Metilfenidato, 5:33

As pílulas no horário errado: meu vício. A insônia me traz lembranças que eu jurei estarem apagadas- mas nunca apagam. Deito no chão quente e choro; as lágrimas molham o carpete italiano e eu lembro da minha mãe dizendo "paguei euros por isso!".
Levanto com certa dificuldade, ando até à cozinha e passo um café. Duas, três xícaras. Pego minha câmera, meus livros, meus pincéis de cerdas naturais e caminho até à porta com tanto cuidado que pareço deslizar sobre o carpete- e os euros abaixo dos meus pés vão secando, aos poucos.

sábado, 11 de julho de 2009

Confesso

Que às vezes acordo de madrugada e procuro o teu corpo na minha cama de solteiro e assim decepcionada, triste, melancólica, volto a dormir. Que nessas noites frias de julho sinto a tua falta como nunca, então escuto o vinil rodar enquanto bebo uma taça de vinho, sozinha.

Que ouvir teu nome me causa uma sensação de choque, que fujo de ti para não te enfrentar, que, no fundo, teu lugar ainda está vazio. Que ainda consegues mexer dentro, dentro de mim.

Que eu te procuro em outros corpos.
(Juro que um dia eu te encontro).

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ao Lado de uma Bromélia

Acordo mais cedo para ver o sol nascer pela minha janela. Saio para o jardim, estremeço com a rigidez do inverno e corro entre as árvores, as plantas, piso nas folhas secas e na terra adormecida. Da rua vejo a minha casa e janela que deixei aberta. Olho para o céu acinzentado e agradeço- talvez a Deus, a Alá, Iamanjá, Buda ou seja lá quem tenha me regido todas essas manhãs que me manti viva- enfim, agradeço pelo meu quarto dentro do castelo ter a visão direta para o pôr-do-sol, pelo meu cachecol bordado à mão e por esse jardim que me recebe de uma forma tão acolhedora que às vezes acho que há raízes nascendo nos meus pés e talvez eu me plante ali, ao lado de uma bromélia, e assim fique. Sempre.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Costumo dizer que eu era um banco de praça recém pintado de branco. Ao meu lado havia uma placa escrito: "tinta fresca". Se tocares com força em mim, a tinta mancha. Tua mão fica branca e o banco fica marcado com tua mão. Então não me toca. Há tantos outros bancos, procura conforto em outros. Tenho certeza que vais encontrar.
Eu te imploro, não me procura, pois não leio mais as tuas palavras, não atendo mais os teus telefonemas e não te cumprimento quando te vejo na rua. Não me diga que mudarás por minha causa porque eu não acredito mais. Não me diga que precisas de mim, pois sei que tu precisa mesmo é de uma mulher-enfermeira, uma mãe. Não me peça para voltar ao teu apartamento, não me peça para cozinhar para ti, não me peça para vestir as roupas que tanto gostas. Apenas me deixa seguir outros caminhos, segurando na mão de outros que me passarão muito mais segurança do que sempre me passaste. Deixa-me ir.

domingo, 31 de maio de 2009

Cama, Sarjeta

Cheguei ao fundo do poço: ao fundo do álcool, ao fundo dos cigarros baratos, ao fundo da cocaína, ao fundo da sarjeta- que eu chamo formalmente de cama. Minha cama, minha sarjeta. Bebo no gargalo e por falta de um meio fio a céu aberto, me jogo no colchão de molas de novecentos reais e finjo que é um pedaço de concreto pintado de branco. Perco a linha, literalmente- o álcool acaba com a minha memória recente. Acendo um cigarro Vogue azul e descubro que o sabor menta é uma porcaria, mas continuo a fumar. Levanto da minha sarjeta, chuto algumas garrafas pra longe, procuro o Abbey Road em vinil que eu te roubei em todas as prateleiras, estantes, gavetas, armários. Acho graça quando eu o encontro debaixo das minhas calças jeans e o coloco para tocar no último volume e canto bem alto de propósito para o vizinho do lado tocar minha campanhia e dizer: "Vou chamar a polícia!" e então eu vou dizer: "Chame, chame a polícia, chame o teu advogado, chame o presidente, chame o Papa, chame até Jesus, quero mostrar para ele que posso contrariá-lo: transformo sangue em vinho. É fácil, eu te ensino: encontre uma pessoa, se apaixone loucamente, jantem juntos numa noite fria de junho, bebam umas três garrafas de Pinot Noir, fiquem bêbados, transem, namorem, se apaixone mais loucamente ainda e pronto! De repente você não tem mais sangue, só Pinot Noir correndo nas tuas veias. Ou Pinot Gris. Ou Pinot Meunier... pode escolher."
Mas a campainha não é tocada. A música pára. A agulha está em pé. Eu, meio tonta meio eufórica, coloco o disco para tocar outra vez, acendo outro cigarro mentolado, bebo o vinho no gargalo e me jogo, outra vez, na sarjeta: tudo de novo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Te desejo quê.

Só te desejo que continue em pé e mostre essa sensibilidade que sempre escondeu, que consiga aquilo me tanto me pediu, que não destrua o que construímos juntos, mas modifique- para melhor, pra você, pra mim. Que encontre novos caminhos e que dessa vez as estradas estejam cheias de boas novidades, que te levem para algum lugar que te faça bem e que o clima sempre esteja ao teu favor, pode até chover de vez em quando mas em poucas horas o sol volte a brilhar. Que quando desdobrar o mapa olhe para o sul e lembre de mim. E dê um sorriso quando lembrar das manhãs de sábado, tardes de terça-feira, noites de domingo. Que encontre alguém que acorde tarde como você e que tomem um semi café da manhã assim como nós tomávamos e depois voltem pra cama reclamando que não há nada decente na televisão assim como nós reclamávamos. Que desista um pouco da loucura, que durma mais cedo, que jogue as garrafas fora, que ligue para as pessoas que ama somente para dizer um olá. Que faça projetos, que coloque tudo no papel e depois na prática, que tenha mais certeza da vida mas que não esqueça que as incertezas também nos ensinam. Que aprenda a demonstrar tudo o que há dentro, porque há um dentro e dentro desse dentro há uma mistura de sentimentos, coisas. Que ame demais e sofra de menos, que lembre do que você tem que fazer e nunca esqueça do que você já fez. Que um dia nos encontremos no supermercado, na sessão de doces, e que você sorrie pra mim e eu pra você, que nos cumprimentemos e nos abracemos. Que eu te veja são e completo, que me veja feliz e saudável, que nos lembremos só das horas no telefone, das risadas altas, das jantas. E sorriremos, sim, sorriremos e diremos 'tchau' e iremos para caminhos diferentes que nunca mais se cruzarão- sabe, seremos felizes, assim, longe.

(texto escrito em 2008. Nem lembrava dele. Da época em que eu era bondosa o suficiente para desejar alegrias a quem ajudou a destruir parte da minha vida. Ah, doce ingenuidade.)

sábado, 25 de abril de 2009

Desculpa-me, meu bem

Desculpa-me, meu bem. Sim, eu sei, tu que erraste- tu traíste, tu mentiste, tu pegaste o ferro em brasa e me queimaste. Tu deverias estar lambendo o chão que eu piso, implorando pelo meu "tudo bem", pedindo pelo amor que sempre te dei de graça- um amor vía única.
Mas te peço perdão. Eu te troquei. Desculpa, amor. Colocaram-me contra à parede e eu não pude te escolher. Com uma frieza tão atípica de mim escolhi o conforto ao teu amor(que nunca foi amor, convenhamos, pena, talvez?), escolhi as viagens, as roupas, os sapatos, os cartões de crédito. Eu fui obrigada a fazê-lo, meu amor. Não tinha mais forças para lutar contra toda a futilidade que me cercava e me impedia de te ter ao meu lado, não pude contrariar os meus princípios, não pude mais fugir do meu verdadeiro lugar no mundo. Cansei de buscas por um amor insaciável que nunca me deste. Voltei ao meu lar, debaixo das asas de quem quer meu bem, vivendo o meu mundo-perfeito que tanto criticaste, sendo feliz do jeito que sempre julgaste. Então desculpa. O teu amor se afogou na primeira tempestade, mas meu par de Christian Louboutin aguenta meu peso todos os dias, e ainda vai aguentar por muito tempo.