quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Título

Eu passava dias esperando suas ligações, mas quando o telefone tocava eu não dizia nada. Ficava ouvindo sua respiração, imaginando o que você estaria fazendo naquele exato momento- talvez procurando alguma rua no mapa, esquentando água para o café, procurando alguma meia debaixo da cama. Enquanto eu estava sentada na cama, rabiscando nomes e corações nas orelhas dos livros e com o rosto quente de tanto pressionar o telefone contra ele, com medo de não escutar a sua voz. Talvez eu já soubesse que maior do que a dor da sua ausência física, seria a dor da ausência da sua voz.
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Você reclamava que eu era quieta demais, distraída demais, prolixa demais- desculpe, meu bem, eu te dizia e depois me calava. Mas a verdade era que eu não falava para me concentrar em seu rosto. Por vezes pensei que meus olhos iam sucumbir guardando todos aqueles detalhes. Decorava seus desenhos, seus sinais, formatos, pintinhas. Enquanto você dormia, eu gostava de brincar de ligar as cinco pintinhas que você tem nas costas que foram uma meia-lua. E imaginava que meus dedos eram a outra parte da lua e eu os encaixava, formando a lua cheia. Formando um círculo, sem começo nem fim. Nós dois, sem começo nem fim.
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Você me viu chorar diversas vezes- algumas você me fitava um olhar meio perdido meio furioso, em outras você me embalava em seus braços e dizia: não chora, não chora, deite aqui comigo, está frio, se cobre, não chora. Debaixo das cobertas eu continuava chorando, mas começava a achar que as lágrimas eram apenas uma forma de colocar para fora toda aquela euforia que eu tinha e não podia gritá-la para o mundo. E quando apoiava seu braço sobre minhas costas, eu chorava sorrindo.
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Eu quis tanto que as palavras ditas fossem verdades, que as promessas fossem cumpridas, que as visitas não terminassem. Que eu fosse a sua paz, que você fosse meu porto. Que nós ríssemos mais das suas história, conversássemos mais sobre uma notícia na televisão, fizéssemos mais massagens, andássemos de bicicleta, contássemos causos de família, caminhássemos pela calçada suja, reclamássemos da sujeira, acordássemos mais cedo para ver o nascer do sol, viajássemos outras vezes, comprássemos um cachorro e que passássemos mais madrugadas falando de amor. Do nosso amor. E nos amássemos mais.
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Diversas vezes você me perseguiu em meus sonhos. Três ou quatro pesadelos por noite: eu acordava no meio da madrugada, desorientada, suada e temendo que os pesadelos se transformassem em realidade. Deitava a cabeça no travesseiro e chorava, com medo de dormir e rever as cenas que me deixavam desesperada. Noites a fio foram assim, de insônia, e o travesseiro enxugando minhas lágrimas e guardando meus temores.
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Mas o medo de verdade veio quando vi você acender um cigarro e fungar, olhava para cima sem exclamar uma palavra sequer. Depois você segurou minha mão me disse que eu era tudo, tudo, tudo. Pensei para mim mesma que você também era tudo, tudo, tudo e que minha necessidade de você crescia em progressão geométrica e as alegrias de mim se restringiam a você. Forcei um sorriso para que você parasse de reclamar da minha seriedade.
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E você foi embora sem olhar para trás. Lembro da frieza de seu rosto e suas mãos segurando um pedaço de papel. Você evitava me olhar. Abri a porta. Vi você sair por aquela porta exatamente como entrou: rápido, calado e com meu coração nas mãos.

2 comentários:

  1. acho que gosto de textos com os quais me identifico, que eu vivi coisas parecidas.

    adorei o seu texto.
    é familiar.

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  2. amei esse texto, mocinha ;~
    tah lindo
    bjos

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