quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Nós que nos amávamos tanto

Desesperador era saber como costumavas me perseguir até quando eu dormia. Durante aqueles quatro dias de angústia que antecederam a tragédia e os próximos quatro que viriam de ausência tua, os pesadelos tornavam-se freqüentes. Nos sonhos lúcidos, enquanto tu te rias das minhas lágrimas eu te olhava desconcertada e beliscava o meu braço direito, pensando pra mim, acorda, acorda, acorda.
Acordei. A chuva entrava pela janela aberta e deixava meu rosto e meu edredom encharcados. Corri ao telefone e quis te ligar, mas a linha estava muda. O suor escorria pela minha nuca; passei as mãos pelo pescoço, peito, braços- senti o sebo sobre a epiderme, a pele oleosa e brilhante. Larguei o telefone e fui tomar um banho. Não sei quanto tempo fiquei mergulhada na água da banheira- mas sei que foi o suficiente para minha pele começar a ressecar. Talvez horas. As imagens tão vívidas dos pesadelos fincavam minha cabeça como agulhas frenéticas prontas para perfurar, causando a tão insuportável dor aguda que começa suave e (não)termina insuportável, me enlouquecendo.
Brinquei com a pouca espuma na superfície da água, formando desenhos que se dissipavam logo. Deitei a cabeça na borda da banheira e tentei dormir, inutilmente. Meu pescoço doía e as minhas costelas pareciam estar quebradas. Levantei-me da banheira e saí do banheiro, sem sequer tirar os resquícios de espuma e água que haviam ficado em meu corpo. Deitei na cama, despida, com a janela ainda aberta- as gotas de chuva que respingavam em mim misturavam-se com as da banheira, me deixando mais molhada ainda. Pensei no resfriado que eu poderia pegar e nos pesadelos que eu estava com medo de sonhar. Não, eu disse pra mim mesma, não adormecerei para não te ver. Até nos sonhos me fazes sofrer. Quando foi que eu me desequilibrei assim? Cheguei a um limite insuportável de ouvir as tuas risadas até durante o meu sono. Quando te tornaste tão cruel? Tenho medo de tuas respostas, medo que digas que fora cruel desde o começo, que sempre mentira, que não valíamos nada. Mas então por que chegamos aqui? Viemos de algum lugar e paramos em lugar nenhum. Perdemo-nos, nós que nos amávamos tanto. Então diga-me: o que faço? O que eu faço com esse nó aqui dentro que insiste em se enrolar mais, mais e mais e a única solução que eu vejo e passar-lhe a tesoura? Esse nó, pasme, esse nó que já foi um gracioso laço se transformou em corda de marinheiro.
Senti o sono chegar ao meu corpo e minhas pálpebras ficarem pesadas. Puxei o edredom e me cobri, não fechei a janela. O sono é maior que o medo, refleti. E antes de fechar os olhos pela última vez naquela noite ouvi um barulho grave e contínuo vindo da rua- me assustei e quase levantei da cama. Mas, por um segundo, pensei ter ouvido tua voz me sussurrar: calma, calma que é só o barulho da chuva contra o telhado.

3 comentários:

  1. que lindo seu texto, moça... essa riqueza de detalhes. nossa, lindo demais. parabens!

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  2. nem me fale dessas noites de insônia, de chuva...
    gostei mto do texto!
    bjos

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  3. Júlia, que bonito teu texto, é incrível como o amor de leve torna-se denso e nos deixa na mais dilacerante solidão. Tenho um blog sobre o amor, dá uma olhada!
    http://tolovefools.blogspot.com/

    bjo!

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