sábado, 25 de abril de 2009

Desculpa-me, meu bem

Desculpa-me, meu bem. Sim, eu sei, tu que erraste- tu traíste, tu mentiste, tu pegaste o ferro em brasa e me queimaste. Tu deverias estar lambendo o chão que eu piso, implorando pelo meu "tudo bem", pedindo pelo amor que sempre te dei de graça- um amor vía única.
Mas te peço perdão. Eu te troquei. Desculpa, amor. Colocaram-me contra à parede e eu não pude te escolher. Com uma frieza tão atípica de mim escolhi o conforto ao teu amor(que nunca foi amor, convenhamos, pena, talvez?), escolhi as viagens, as roupas, os sapatos, os cartões de crédito. Eu fui obrigada a fazê-lo, meu amor. Não tinha mais forças para lutar contra toda a futilidade que me cercava e me impedia de te ter ao meu lado, não pude contrariar os meus princípios, não pude mais fugir do meu verdadeiro lugar no mundo. Cansei de buscas por um amor insaciável que nunca me deste. Voltei ao meu lar, debaixo das asas de quem quer meu bem, vivendo o meu mundo-perfeito que tanto criticaste, sendo feliz do jeito que sempre julgaste. Então desculpa. O teu amor se afogou na primeira tempestade, mas meu par de Christian Louboutin aguenta meu peso todos os dias, e ainda vai aguentar por muito tempo.

domingo, 19 de abril de 2009

Mais Ameno

Chamo toda aquela parte de 'período das trevas'- aquela época em que consumi pessoas assim como consumia cigarros: compulsivamente e sem dó, em que eu confundi ética com etílico, em que garrafas vazias criavam raízes no chão da minha casa, em que liguei tantas vezes e segurava o telefone contra o ouvido por tantas horas, em que dormia durante dias, em que deitava sozinha na tua cama e não sabia por quais ruas tu andavas, em que chorei desesperada no ombro dos amigos, dos professores, das pessoas na rua, do homem que encontrei no elevador, da telefonista do telemarketing, do motorista de táxi, em que passei dias tendo a certeza de que a cada minuto que passava minha necessidade de ti crescia em progressão geométrica e só me desesperava mais e mais, em que busquei seu cheiro em outros espectros em vão, tentei abafar esse grito de todas as maneiras, com psiquiatra, cartomante, horóscopo, cocaína, álcool em dobro, cadernos em branco, fio da navalha rasgando a pele, oito litros de água por dia e tudo mais que um ser humano pode fazer para no final poder dizer: engraçado, o dia está mais bonito hoje. Mais ameno.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Vital

Atendi muitos telefonemas dizendo "alô" e ouvindo um "vai passar, eu te juro que vai passar" em resposta. Eu não sabia se sorria se chorava se contava longas divagações ou se apenas dizia um simplório "obrigada". Quis abraçar tanta gente pelo telefone, assim, apenas com a voz, com a mão firme no gancho e com as orelhas quentes de tanto som.
Hoje quem liga sou eu- conto dos meus dias, tão calmos, tão em paz. Sento no grama e leio os clássicos, o vento deixa meu cabelo mais desarrumado do que ele já é, sento na escrivaninha e faço meus cálculos de estequiometria, levo meu cachorro pra tomar um sol, pinto minhas unhas, deito na cama e deixo o som do rádio baixinho. Abro a janela às seis e meia da manhã e ainda consigo ver o sol nascer, gosto da brisa fria do outono, coloco um casaco, vou pra rua, cumprimento vizinhos que eu sequer sei o nome, sorrio para o jardineiro que me entrega um lírio e sempre me diz: "tão branquinha, com esses olhos verdes, o rosto corado... parece uma bonequinha!", dou uma risada e lembro do meu avô e dos vinis dele que eu peguei sem a minha vó perceber depois que ele nos deixou.
Volto pra casa, tiro o pó dos vinis, dos livros antigos, das fotos bonitas, dos móveis. Vejo o sol das duas da tarde e penso em toda essa energia vital que ignoramos todos os dias mas que nos deixa vivos- esse pouco de sol, essa luz que está fraca mas que ainda não apagou. Nunca apaga.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Últimas Palavras

- Quando eu disse que tinha ódio, não estava falando de você.
- Não?
- Não. Não tenho ódio de você.
- Não?
- Não. Por que teria?
- Diga-me você.

(silêncio)

- Somos tão engraçados, nós dois.
- Diferentes demais.
- Semelhantes demais, eu diria.
- Tão semelhantes que chegamos a ser diferentes.

(silêncio)

- Desculpe.
- Você sabe que não precisa.
- Não, eu...
- Você foi ótima, a culpa não é sua.
- Então obrigada.
- Pelo quê?
- Pelas músicas. Pela noite.
- Qualquer um canta uma música. Qualquer um te faz companhia numa noite, não?
- Não.
- Bom saber.

(silêncio)

- Eu acho que é isso.
- Podemos ir embora?
- Podemos.
- Algo mais a acresentar?
- Te vejo em outra vida, quando nós dois formos gatos.
- Te procuro em outros corpos, juro que um dia te encontro.

(silêncio)

- Não me espere pra jantar, eu não volto.
- Eu sei. Nunca mais, não é?
- Talvez em outra vida.
- Talvez em outra vida.

(silêncio ad eternum)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Novo

Remexi nas lembranças, nas fotografias, na infância, nos livros, nas cartas que recebi, nas cartas que escrevi e não enviei e em tudo o que eu considerava passado. Coloquei algumas coisas no lixo e outras continuaram intactas. Levei os livros velhos para a biblioteca e coloquei os novos- que ainda estavam dentro da sacola- na estante.
Tirei inutilidades das gavetas, roupas velhas do armário, os sapatos que não uso mais distribui entre as amigas. Colei pelas paredes da casa cartazes que não me fazem esquecer compromissos e matérias importantes, troquei a foto do porta-retrato, levei a escova de dente de volta para o banheiro, separei os discos e filmes por ordem alfabética e ainda sobraram duas escrivaninhas para os meus estudos.

Estranho. Começou tudo de novo. Mas dessa vez tão mais... leve. Limpo.